Há pouco mais de três semanas o Amazonas vive seu isolamento social e avança vagarosamente na estruturação de sua rede de saúde para enfrentar a Covid-19. Agora, com a disparada de casos de coronavírus, corre contra o tempo para aumentar sua capacidade de atendimento e convencer a população de que é necessário se distanciar ainda mais para evitar a rápida propagação da doença. O Amazonas é a 13ª unidade da federação em população, mas hoje está em quarto lugar no ranking de Estados com mais casos da Covid-19.
O aumento repentino de registros – já são 1.275 contaminações e 71 mortes – trouxe à tona uma proposta mais dura, o de quarentena total, o lockdown. O governador Wilson Lima (PSC) não descarta essa possibilidade. “Estamos avaliando os números e, se a gente continuar numa evolução significativa, não vamos ter outra alternativa a não ser colocar todo mundo em quarentena, a aumentar as medidas restritivas”.
Tido como um aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na região Norte, Lima já bateu de frente com o mandatário em duas ocasiões: no período dos incêndios florestais e agora, quando diz que prefere seguir as orientações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, do que a do presidente, um defensor do fim das medidas de isolamento. “Sigo o Ministério da Saúde, sob orientação dos nossos técnicos. Vou prezar por aquilo que a ciência tem nos mostrado até agora”. Em outra frente, o Governo firmou parceria com uma montadora de motos para produzir respiradores artificiais e abastecer hospitais. A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por videoconferência.
P. Há seis dias o senhor disse que o sistema de saúde de seu Estado entraria em colapso em uma semana. Qual a situação atual?
R. Nosso sistema de saúde ainda não entrou em colapso porque temos aumentado nossa capacidade de atendimento. No domingo montamos mais 15 leitos de UTI no hospital Delphina Aziz, que é nosso hospital de referência, também montamos mais 12 leitos de UTI no pronto-socorro 28 de agosto, que está pronto para receber pacientes com Covid-19.
P. Temos visto um aumento considerável dos casos no Amazonas. Qual é o desafio do Governo diante dessa pandemia, no momento?
R. Temos de aumentar nossa capacidade de atendimento, acelerar as pesquisas com a cloroquina e com o plasma. Estamos numa corrida contra o tempo. Tenho expectativa de que o pico aqui seja nos próximos 15 dias. Nesse período, não consigo apresentar o resultado conclusivo de uma pesquisa. Por isso, estamos aumentando nossa estrutura e buscando equipamentos.
P. O senhor avalia a possibilidade de fazer um lockdown, caso os registros de coronavírus sigam crescendo rapidamente no Amazonas?
R. Essa é uma decisão que temos de avaliar com os outros poderes. Tenho falado muito com os Ministérios Públicos, com Tribunal de Justiça, com Tribunal de Contas. Estamos avaliando os números e, se a gente continuar numa evolução significativa, não vamos ter outra alternativa a não ser colocar todo mundo em quarentena, a aumentar as medidas restritivas. Mas essa decisão não pode ser só do governador, tem de ser compartilhada. Compartilhada com os poderes, com o comércio, com a indústria, com a sociedade civil organizada.
P. Qual é a porcentagem de ocupação dos leitos públicos?
R. Eu diria que mais de 90% das unidades estão ocupadas por conta da Covid-19.
P. Há estudos que mostram que o índice de isolamento social no Amazonas já foi de quase 70% e hoje está em 50%. Por que ocorreu essa queda?
R. São vários fatores. Naturalmente as pessoas têm uma resistência a ficar em casa. Também há um problema econômico, principalmente do trabalhador informal. E tenho também resistência de algumas pessoas que não acreditam que o vírus cause todo esse prejuízo, esse estrago que está causando.
P. E o que está sendo feito para tentar aumentar esse isolamento?
R. Aumentamos o trabalho de fiscalização. Hoje, coloquei todo mundo nas ruas: Polícia Militar, Polícia Civil, Fundação de Vigilância em Saúde, Procon. Temos um sistema, que é cedido pela companhia aérea Gol, e outro sistema próprio, que monitora onde há aglomeração de pessoas. Nesses bairros, a polícia tem atuado de forma muito incisiva.
P. Está prendendo as pessoas?
R. A abordagem é com viés didático para que as pessoas entendam a necessidade de estar em casa. Eu também baixei um decreto proibindo viagem de passageiros pelas rodovias e pelos rios. Só é permitido o tráfego de cargas. E de passageiros que precisam se deslocar para fazer algum serviço de extrema necessidade.
P. Mas o aeroporto segue aberto.
R. Quem chega ao aeroporto, automaticamente entra em quarentena. Temos um aplicativo que monitora essa pessoa. No momento em que ela desembarca ela tem a temperatura medida, nossas equipes fazem uma entrevista com essa pessoa, baixa um aplicativo no celular dela e ela vai sendo monitorada com georreferenciamento. Ela dá o endereço dela e temos condição de saber no sistema se está em casa ou se está saindo. Por esse aplicativo também ela pode informar se teve algum sintoma, se teve febre, dor de cabeça, problema respiratório e vamos monitorando. Se houver a necessidade de deslocar uma ambulância, podemos fazer pelo aplicativo. Também tem um outro aplicativo em que um médico de nossa rede o ajuda em caso de piora nos sintomas.
P. Esses aplicativos são semelhantes ao que a China tem usado na sua população. Eles são chineses?
R. Não. É desenvolvido por uma empresa daqui do Amazonas que nos cedeu a tecnologia, sem nenhum custo.
P. Dois indígenas morreram nos últimos dias. O que tem sido feito para proteger a população indígena?
R. A saúde indígena é de responsabilidade do Governo Federal. Ontem, recebi a ministra Damares Alves (Direitos Humanos), o presidente da Funai, o superintendente da Polícia Federal e o comandante militar do Amazonas para discutirmos essas questões. Dentre os pontos que foram acertados aqui está um hospital de campanha específico para atender indígenas, ficará na capital, o ministério destinará 60.000 cestas básicas para esses indígenas e estamos trabalhando com a logística para distribuir esses alimentos, e juntamente com os prefeitos estamos trabalhando para impedir a entrada de pessoas nas aldeias.
P. Como avalia a conduta do presidente Jair Bolsonaro de ser contra o isolamento social e que fica passeando entre a população aos finais de semana?
R. Não vou entrar especificamente nessa questão do presidente. Mas todas as medidas que tomamos no Amazonas, de isolamento social, são baseadas nas orientações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde. Vamos continuar fazendo isso. É claro que há uma preocupação muito grande com a atividade econômica, que não podemos limitar totalmente. Temos de ter o mínimo de atividade econômica. Eu preciso ter funcionamento do setor primário, senão, como eu vou produzir alimento? Preciso ter o mínimo de comércio funcionando. Mas não há outro método que possa diminuir o avanço do vírus, a não ser o isolamento social. Não há outro caminho para que a gente possa quebrar essa cadeia de transmissão, a não ser as pessoas ficando em casa e evitando aglomeração. O que a gente tenta encontrar aqui é o meio termo. A nossa luta é para preservar vidas. É para evitar que mais pessoas morram. Que adoeçam ao mesmo tempo. Avaliamos o quadro todos os dias e tentamos entender que ponto temos de ajustas, se tenho de pesar um pouco mais na fiscalização. E avaliando se está sendo eficiente ou não.
P. No domingo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que a população acaba ficando sem saber quem seguir, se o presidente ou se o próprio ministro. Quem o senhor vai seguir?
R. Estou seguindo todas as orientações do especialista. Sigo o Ministério da Saúde, sob orientação dos nossos técnicos. Vou prezar por aquilo que a ciência tem nos mostrado até agora.
© Carolina Antunes O presidente Jair Bolsonaro e o governador do Amazonas, Wilson Lima, em solenidade no dia 27 de novembro de 2019, em Manaus.
P. O senhor se elegeu com a bandeira da renovação. Contou com votos de vários apoiadores de Bolsonaro. No episódio dos incêndios florestais, bateu de frente com o presidente. E, agora na pandemia de coronavírus, adota posicionamento oposto ao dele. Vocês romperam?
R. Não tenho nenhuma indisposição com o presidente da República. Em nenhum momento houve essa animosidade de minha parte. Na campanha, o partido que era dele, apoiou outro candidato, que me fez oposição. Em nenhum momento houve qualquer indisposição. Sempre tivemos uma boa relação. Agora, eu sigo a orientação das autoridades em saúde, sigo a orientação científica.
P. Está contente com a proposta do Governo federal de repasses de recursos para os Estados? O Amazonas já recebeu algum valor do que foi prometido?
R. Ainda não recebemos nada, porque carece de aprovação do Congresso. Pleiteamos também para que haja a prorrogação de dívida dos Estados não só com a União, mas também com bancos internacionais como BID e Bird e outros organismos multilaterais. Mas é fundamental que haja essa contrapartida do Governo federal que tem maiores condições de aportar recursos e diminuir as perdas que teremos nos próximos dias. A ajuda que temos recebendo é por meio de equipamentos, recebemos 25 respiradores. Recebemos o apoio de dez médicos intensivistas do programa “Brasil conte comigo” e mais três profissionais que são do Sírio Libanês e estão nos ajudando no gabinete de crise. Também recebi 35 milhões de reais em recursos para que possamos comprar insumos e ampliar a estrutura de atendimento. Há um compromisso do Governo Federal de repassar mais 15 milhões de reais para colocar em total funcionamento o hospital Delphina Aziz. No Congresso, há a aprovação da desvinculação dos fundos da saúde e esperamos a sanção presidencial. Acredito que depois do dia 23 de abril teremos essa promulgação. Agora, esperamos efetivamente a resposta para o auxílio fiscal dos Estados. Efetivamente, não tivemos nada, ainda. Por enquanto, só propostas.
P. Qual é o impacto econômico dessa pandemia em seu Estado?
R. Para o mês de maio, a projeção é de uma perda de 30% das nossas receitas. A queda principal será do ICMS. No acumulado do ano a perda deve ser de 25%.
P. O Estado quebra com essas perdas de arrecadação?
R. Não. O Estado não quebra, mas dependemos do aporte do Governo Federal. Preciso buscar novas medidas com a Assembleia. Vamos passar por meses bem difíceis. Esse ano vai ser um ano muito complicado. Mas o Estado não vai quebrar. Precisamos do aporte financeiro para o equilíbrio de nossas contas que o Governo Federal prometeu. Se de um lado tenho as questões da área da saúde, do outro, tenho da econômica. E uma está ligada a outra. Se eu não tiver atividade econômica, naturalmente eu não terei receita, não terei recolhimento e não vou conseguir destinar recursos para atividades essenciais.
P. Como a iniciativa privada tem ajudado?
R. De várias maneiras. Uma delas uma parceria que temos com uma fábrica de motos para a construção de um respirador artificial, que é o objeto mais cobiçado do mundo. É um projeto em parceria com a nossa universidade estadual. O protótipo já está pronto está começando o teste dele em animais. Amanhã devo ir na empresa para ver esse protótipo e acompanhar para ver se ele pode funcionar.
P. Se funcionar, qual é a expectativa de produção? De quantos precisa?
R. Não tenho esses números. Não consigo delimitar essa quantia. Preciso de um fornecimento contínuo. Só consigo quantificar à medida que os casos vão aumentando. Preciso ver com a Honda qual é a capacidade de produção deles. Até porque essa não é o foco principal deles, o foco deles é moto. Mas nossa primeira preocupação era construir o protótipo, o que está feito, agora entramos em uma fase de testes.
P. Há pressão por parte do comércio e da indústria para que sejam suspensas as medidas de isolamento social?
R. Tenho conversado com esses setores. Há aproximadamente 15 ou 20 dias, tivemos uma pressão maior para que houvesse abertura. Mas naquele momento não tínhamos tantos casos como temos agora. Tenho percebido uma compreensão por parte do comércio e da indústria. Nós não fechamos a indústria porque lá [na zona industrial] tenho uma equipe da Fundação de Vigilância em Saúde, que faz o acompanhamento nessas empresas e elas têm condições de fazer esse monitoramento. Eles checam a distribuição de EPIs, o cumprimento de protocolos. As empresas também têm equipes médicas próprias. Mesmo assim, algumas empresas optaram pelo fechamento, como a Samsung, a Honda, a Yamaha, a Transire, que fabrica máquinas de cartão de crédito. Mas fecharam por conta própria.
Publicado por EL PAÍS